O GIR LEITEIRO ‘PURO’ – UMA REALIDADE NA AMÉRICA LATINA



Por Ivan Luz ledic, março 2009.

No Brasil se verifica que entraram somente cerca de 680 animais da raça Gir.

Os primeiros exemplares da raça Gir introduzidas chegaram provavelmente ao redor de 1906, numa das importações efetuadas por Teófilo de Godoy. No entanto, o senhor Wirmondes Machado Borges, criadouro de Uberaba, assegurava ter sido ele introdutor da raça, em 1918. Nas décadas dos 20 aos 40, em função do grande interesse acordado pela raça Indubrasil, em formação, muitos criadores se dedicassem à execução de cruzamentos entre as raças indicas. Alguns rebanhos Gir, pelo momento eram mantidas puras em Minas Gerais, São Paulo e Bahia. Com a importação de 1930, efetuada pelos criadores de Minas Gerais Francisco Ravísio Lemos e Manoel de Oliveira Prata, a criação do Gir recebeu um novo estimulo. Ainda, foi mal a partir de 1953 que a raça passou a suplantar ao Indubrasil, em termos de registro genealógico, vindo perder esta primeira posição para a raça Nelore em 1969.

Outras três importações da Índia foram sumamente importantes para a formação do Gir brasileiro. Em 1955, o criadouro Joaquim Machado Borges fez entrar em território brasileiro, via Bolívia, 114 cabeças importadas da Índia. Posteriormente, em 1960, o de gado Celso Garcia Cid, da província de Paraná, conseguiu licença do governo federal para introduzir, depois de uma quarentena realizada em Paranaguá, 102 animais, 70 deles da raça Gir. Depois desta libertação de importação entrou no território brasileiro, em 1962, grande número de animais Zebu, entre os quais 153 Gir, principalmente para os criadores Celso Garcia Cid, Torres Homem Rodrigues dá Cunha, Rubens de Carvalho e Jacinto Honório da Silva.

A raça Gir, por suas qualidades próprias e especiais, oferece opções para seleção com funções bem definidas e distintas, para leite ou carne. Isto terminou por definir dois tipos diferentes na raça, separados no sentido ideal para cada recenseamento. Formaram-se também duas agremiações: a Associação Brasileira dos Criadores de Gir (ASSOGIR) e Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro (ABCGIL), que defendem interesses próprios e independentes.

Na atualidade, dos 332 criadores de Gir filiados à ABCZ, cerca de mais de duas centenas são sócios da ABCGIL, com rebanhos espalhados em todo território nacional. Na ABCZ foram elaborados 13.152 registros genealógicos de nascimento (RGN) em 2006 de exemplares Gir, dos quais 8.549 animais (65%) são de criadores associados à ABCGIL. Considerando que os 13.152 RGN representam 65% de natalidade de fêmeas em reprodução, então o rebanho de vacas Gir seria de 20.233, as quais representam 31% do total do rebanho. ASSIM, O GADO ESTIMADO DE GIR REGISTRADO SERIA DE 65.268 ANIMAIS. Isto representa 3,8% do total de animais das raças zebus registradas em ABCZ e somente 0,06% do total de 112 milhões do rebanho leiteiro brasileiro.

Ainda, conforme dados da ASBIA (2008), o Gir Padrão vendeu em Brasil só 5.413 doses de sêmen em 2007, que representam somente 0,14% do total comercializado pelas raças de seleção para carne. O Gir Leiteiro atingiu o número de 667.378 doses comercializadas em 2007, correspondendo a mais de 50% das doses das raças leiteiras nacionais comercializadas.

As raças Zebuínas leiteiras constituem a menor fração do rebanho Zebu registrado na Associação Brasileira dos Criadores de Zebu e não é diferente do rebanho comercial, e comprometem a produção em escala de fêmeas F1 com estas raças.

Número de animais Zebu registrados na ABCZ em 2006
Gir Mocha - 928
Gir - 6.925
Guzerá - 6.647
Indubrasil - 940
Nelore - 137.873
Nelore mocho - 33.940
Sindi - 662
Sindi mocho - 3
Tabapuã - 7.571
Cangaian - 10
Brahman - 7.751
Total 203.210
Fonte: ABCZ (2008)

Este declive da raça Gir deve-se ao fato de que por que apresentem tanto nas puras como em suas mestiças, com destaque para a F1, boa produção de leite, bom temperamento, tamanho médio e boa aceitação no mercado. Isso fez com que a raça fora amplamente utilizada em cruzamentos, tendo comprometido sua população. Restrições foram feitas quanto sua conformação do úbere e tetas e da fertilidade, fundamentalmente nas matrizes puras. Esta deficiência de natureza reprodutiva, aliada a baixa taxa de reposição das fêmeas puras, devido ao grande valor de mercado das mestiças, acabou por diminuir drasticamente os rebanhos de matrizes Gir e “Giradas”, nos rebanhos dos produtores de F1.

Estes produtores que não se preocuparam em fazer o acasalamento mínimo para manutenção de 50% das fêmeas do rebanho puro com touros Gir, ainda em sua maioria cometeram a precipitação de realizar inseminação artificial com sêmen de touros Holandês e aquelas fêmeas Gir que não emprenhavam com esta tecnologia eram destinadas a monta com touro Gir. Com o passar das gerações, com estas estratégias suicidas, foram envelhecendo os rebanhos e fazendo substituição com novilhas selecionadas negativamente para fertilidade.

Estes fatos aliados a substituição dos rebanhos tradicionais pela raça Nelore acabaram por dizimar um enorme contingente de fêmeas Gir existentes nas fazendas brasileiras até a década de 60. Desta forma, hoje uma vaca Gir tem mais valor do que uma fêmea F1, o que faz com que a produção de F1 de vacas Gir sejam as mestiças de maior demanda do mercado de fêmeas leiteiras.

As outras raças Zebus leiteiras também tiveram declive em sua população ainda que com histórias e causas diferentes:
- A raça Guzerá que também já foi a raça mais encontrada no rebanho Zebu nacional no começo do século, sendo que sua população foi reduzida devido a grande mestiçagem para a formação do rebanho Indubrasil no início do século passado.

- Já a raça Indubrasil, que também atingiu grande distribuição e sendo amplamente utilizada na produção de mestiças, teve sua população reduzida devido a características de baixa fertilidade e habilidade materna, além de histórico semelhante a raça Gir.

SE NÃO FOSSEM OS CRIADORES DE GIR LEITEIRO, PROVAVELMENTE ESSA SITUAÇÃO SERIA MUITO PIOR E TALVEZ O GIR ESTARIA FADADO À EXTINÇÃO EM BRASIL. Souberam com perseverança e ideais, melhorar os úberes, com tetas de tamanhos médios e bem colocados; aprumos perfeitos e estrutura óssea vigorosa; boa resposta de ovulação nos processos de TE e FIV e reduzir a idade ao primeiro parto e intervalo de partos.

O GIR DEVE SER MANTIDO COMO GIR DENTRO DA VISÃO DE RAÇA “PURA” EM TERMOS DE INVENTÁRIOS DE PEDIGREES. Temos Gir Leiteiro como recurso genético dinâmico que evoluiu no tempo conforme às necessidades circunstanciais do Mundo Tropical. A APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO ACONTECEU E O MELHORAMENTO OCORREU. FAZ MUITOS ANOS QUE ESTAMOS DANDO “OLÉ!” COM A SELEÇÃO E MELHORAMENTO DO GIR PARA PRODUÇÃO DE LEITE.

O problema é que os CRIADORES DE GIR PADRÃO ALEGAM QUE O GIR LEITEIRO É MESTIÇO ou teve infusão de ‘taurus’. ISSO NÃO É UMA VERDADE tendo em vista que esses rebanhos Gir Leiteiro foram formados de linhagens importadas, a maioria descendentes de nove touros importados da Índia: Alambique, Gaiolão, Gandhi, Hindostan, Krishna, Naidu, Rajá, Lobisomen e Vijaya. O que ocorreu é que esses criadores não se apegaram tanto nos detalhes de refinamento de beleza racial e sim nos aspectos produtivos, todavia enquadrados dentro do padrão racial exigido para registro na ABCZ.

O processo seletivo aplicado nos rebanhos que criavam Gir não formou variedades diferentes na raça, mas sim aptidões de produção desiguais, com biotipos próximos ao que se estava melhorando, carne ou leite.

A maioria desses rebanhos Gir Leiteiros, formados na década de 30-40, sempre foram acompanhados quanto ao registro pela ABCZ, com pedigrees avaliados, bem como serviram de estudo para tese de mestrado e doutorado desde sua formação, não cabendo nenhuma dúvida quanto sua origem Gir ‘indiana’.

AS VACAS DE FUNDAÇÃO DESSES CRIADORES PIONEIROS DO GIR LEITEIRO ERAM ORIUNDAS DOS REBANHOS DE GADO GIR SELECIONADOS PARA CARNE DOS CRIADORES MAIS TRADICIONAIS DA ÉPOCA E QUE NÃO SE MOSTRAVAM ADEQUADAS AO SISTEMA DE PRODUÇÃO EXTENSIVO. Eram vacas ‘descarnadas’, com úberes grandes e que exigia a presença de vaqueiro porque o excesso de leite dificultava a criação do bezerro e elas tinham de ser ordenhadas para evitar mamite ou diarréia das crias, além de não apresentarem o mesmo desempenho ponderal exigido para animais de corte, que desviam todo o metabolismo para produção de carne.

SERIA INIMAGINÁVEL QUALQUER UM DESSES CRIADORES TEREM FEITO CRUZAMENTO PARA ESPERAREM 4 A 5 GERAÇÕES PARA QUE TIVESSEM UM GIR POR ABSORÇÃO NA CATEGORIA LA (Livro Aberto) E DEPOIS MAIS 3 GERAÇÕES PARA ENQUADRAR-SE NA CATEGORIA PO (Puro de origem) - NO MÍNIMO 35 ANOS PARA DO QUE ISSO PUDESSE OCORRER.

Não resta dúvida quanto à origem e manutenção ‘indicus’ desses rebanhos Gir Leiteiro - o que ocorre é falta de argumentação dos criadores de Gir Padrão que perderam seu espaço na pecuária e utilizam disso de forma apelativa e sem respaldo para denegrir o trabalho desses criadores que souberam romper barreiras e crendices. Os criadores de Gir Leiteiro não priorizaram os preceitos hindus de veneração da vaca sagrada e passaram a criar o Gir como unidade de produção e de transformação dos vegetais em alimento nobre para consumo humano e ‘não como entidade de admiração’.

Outro fato a relatar é que antes da Prova de Progênie, os rebanhos Gir Leiteiro também não faziam incorporação de animais de outros criadores. Alguns deles tinham linhagens distintas que possibilitaram acasalamentos evitando consangüinidade extrema. Outros já estavam com certo esgotamento de famílias e estava ocorrendo estreitamento na endogamia. Com o uso de touros provados, novas opções surgiram para introduzir-se animais de diferentes origens e foram feitos acasalamentos dirigidos visando ampliar a base genética dos diversos rebanhos, existindo touros provados e em avaliação de origem mais diversa, o que possibilita ter diversidade genética.

ESSA REALIDADE DO GIR COMO RAÇA LEITEIRA, SEGUINDO SUA APTIDÃO NATURAL COMO EM SEU PAÍS DE ORIGEM E ADOTADA NOS OUTROS PAÍSES QUE IMPORTAM DO BRASIL, hoje é perseguida por todos, como uma reparação do erro cometido quando de sua introdução no Brasil, que a considerou como raça de corte. Tanto que atualmente a própria ASSOGIR está com intuito reavivar a Entidade dando enfoque para seleção leiteira junto aos seus associados. ESSE É O DESTINO DO GIR.

GIRGOIÁS é outro exemplo de iniciativa visando identificar animais leiteiros através do Teste de Progênie de diversos outros rebanhos que não tinham um histórico de Controle Leiteiro Oficial de seus animais. Todos acreditam que podem e devem ter essa aptidão resguardada em seus genótipos como código genético preservado de sua origem indiana e que irá contribuir para identificar novas linhagens e famílias, COMO JÁ OCORRIDO EM ALGUNS ANTIGOS REBANHOS DE GIR PADRÃO QUE AGORA SÃO SÓCIOS DA ABCGIL E POSSUEM ANIMAIS COM COMPROVADA POTENCIALIDADE DE PRODUÇÃO LEITEIRA.

No Brasil temos só dois casos de Gir Leiteiro registrado que foram formados por absorção, um criador em Minas Gerais (Muriaé) e outro em Goiás (www.fazendagramado.com.br). Temos sim rebanhos ‘Girados’, mas sem registro, por não se conhecer sua história em termos de seleção e pedigrees. Esses rebanhos são chamados “cara limpa” e não entram nas estatísticas de nenhuma das raças Zebu.

Por sua vez, verificamos na Guatemala que poucos rebanhos Gir são puros (o Brahman ocupou seu espaço), e a maioria hoje são Gir Leiteiro absorvidos do Brahman vermelho, como única opção que tiveram. De ou lado vimos na Colômbia, Bolívia, Equador e Venezuela Gir Leiteiro ‘puro’ de importação do Brasil, que estão ocupando o lugar do Brahman americano e seus cruzamentos. No México, quando de nossa visita, no ano passado, vimos rebanhos Gir de origem brasileira de excepcional qualidade produzindo leite em regiões de trópico úmido e seco, como diversos rebanhos mestiços 1/2, 1/4, 3/4, 5/8, etc, assim também a raça Sardo Negro (de origem do Gir mouro brasileiro), extremamente adaptados às condições de criação e clima.

Finalmente:
OS CRIADORES DE GADO GIR DEVEM MANTER SEU REBANHO UTILIZANDO TOUROS GIR COM GENEALOGIA CONHECIDA E PROVADOS PARA LEITE.

Por outro lado, os criadores de Gir tem um adicional de lucro que advém da comercialização de machos, fêmeas excedentes e de descarte, afora sêmen e embriões, que hoje no Brasil representa mais do 70% do lucro da atividade, diferente de outras raças leiteiras, onde machos são descartados ao nascer e a fonte de lucro com venda de fêmeas, sêmen e embriões é muito baixa em relação à venda de leite.

O GIR É NA REALIDADE UMA RAÇA ‘Bos taurus indicus’ ESPECIALIZADA PARA LEITE, assim como as raças ‘Bos taurus taurus’ européias, só que adaptada à nossas condições tropicais. Ninguém seleciona raça especializada para outra função que não aquela objeto de melhoramento – gado de corte é para produção de carne e gado de leite para LEITE.


Ivan Luz Ledic
Médico Veterinário, MSc. em Melhoramento Animal,
DSc. em Produção Animal
ex-Diretor Técnico da ABCGIL e
Pesquisador aposentado da Embrapa Gado de Leite

2 comentários:

Anônimo disse...

O Gado Gir, assim como o gado nelore, é originário da Índia. A raça foi melhorada desde a década de 30 e veio passando pelos mais diversos melhoramentos, até alcançar um bom desempenho para gado de corte e também gado de leite.

Leia mais em: http://tudosobregados.blogspot.com.br/2014/01/touros-gir-leiteiro.html

Extremesimuladores disse...

Fantástico otimo artigo virei leitor !

Há um tempo atrás vi na internet uma que atua neste mercado também

Gir Leiteiro
www.estanciatamburil.com.br